Museu Dona Beja. Araxá. Minas Gerais
Sala de Visita
Vilma Cunha Duarte
Ser mineiro é literal, literária e emocionalmente, um estado característico. Bem disse Pedro Rogério Moreira, o ousado biógrafo da vida amorosa da JK, em “Bela noite para voar”, que sacudiu os brios da TFM. (Tradicional Família Mineira): “A cultura montanhesa não gosta de abrir a porta íntima da casa a visitantes. A alcova só pertence aos donos, já anotava o viajante francês Saint-Hilaire, no séc. XIX, ao percorrer os caminhos de Minas e observar a formação da família mineira. O mineiro recebe com generosidade, na sala de visitas. Para além desse aposento, é o cortinado, a sombra, quando não a escuridão total, portas e janelas fechadas. O resto é silêncio”.
Mineiro não chega a ser um fingidor como celebrizou o poeta, mas dissimula com humor e propriedade.
Não mente, deixa de contar as coisas. Finge de morto se precisar. Deita e rola... calado! Quando aparece um muito espevitado por aí, passou uns tempos fora de casa ou negou a raça.
"Esconde o leite" como a tetuda pirracenta. Duvida? Então, corra as listas dos sequestrados. Pouquíssimos amargam cativeiro por alardear glória e fortuna.
Mesmo com a conta polpuda no banco, fazendinhas de dobrar o horizonte, lavouras de café, rebanho leiteiro do bom, chora dificuldades. É cultural.
Não gosta de imposto, tampouco de fiscal. Sequelas da Inconfidência Mineira. Mas paga o que é preciso na maior lisura. Honestidade aqui, não virou qualificativo. É virtude e obrigação.
Leva fama de pão-duro. Exagero da ironia nacional, que caricatura cada estado à sua moda. Prefere ser rotulado como cuidadoso no trato com o dinheiro suado pra ganhar, seu refrão em toda conversa.
Desconfiado... Tem um pé atrás, mesmo com a própria sombra, e para se abrir de vez, só em último caso, deitado no divã, fazendo a conta da careza da sessão.
Não gosta de entrar em briga mas, se lhe pisam os calos dá uma boiada pra não sair? Verdade verdadeira.
Economiza? Claro! Não é a receita certa dos balanços de saldos equilibrados? Até nos “esses” dos plurais que ele estoca, a fim de gastá-los nos diálogos mais pomposos. O que lhe suaviza a prosa coloquial, sossegada e cantante, música para ouvidos simpatizantes.
Contudo, se o assunto é hospitalidade, e ainda com cultura, deixe com a mineirada, que traz no sangue e na tradição o gosto de receber.
Hospedamos com rendas, flores, porcelana e prataria para exibir a nossa culinária espetacular. Minas ama pôr a mesa com as nossas delícias Gerais. Huuummm! Frango caipira com quiabo, lombo assado, torresmo com mandioca, tutu com couve, doce de tudo quanto há. Como diz um amigo carioca: Mineiro gosta de praia sim, depois do pão de queijo.
Viver de bem com a vida, estar de lua de mel com a arte em todas as suas manifestações, coisa de mineiro sim, "sinhô"!
Que me perdoem os donos dos pincéis mágicos, os que tiram os seus tesouros criativos da matéria bruta, os tocadores e compositores das notas divinas, e todos os artistas deste mundo. Curvo-me diante do belo, mas quando me toca falar dos artesãos das palavras, as emoções entornam-se coração, olhos e boca abaixo.
Minas tem Guimarães Rosa, Drummond, Adélia Prado, Henriqueta Lisboa, Alphonsus de Guimarães, Oto Lara Resende, Rubem Fonseca... só começando a lista "compriiiiiiiida" da mineirada famosa na arte de Literatura.
Se a gente é mineira e ainda por cima escreve, o coração, maior que nossas montanhas protetoras, estende a toalha bordada, põe a mesa do carinho, enfeitada com flores perfumadas de amizade, e serve a hospitalidade com o tempero da nossa cultura.
Sinta-se convidado e em casa.
Nossa sala de visitas tem a medida certa da notória graça araxaense pra te botar pra dentro, e te trancar no coração.
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