Relembrando Murilo Badaró
Cesar Vanucci *
“Seu estilo apurado em requintada prosa valoriza
ainda mais a defesa (...) de idéias e valores tão caros
à nossa província de Minas Gerais.”
(André Carvalho, jornalista, falando da obra de Murilo Badaró)
De Montaigne vem a lírica sugestão para que nos acostumemos a dizer, ao invés de que alguém morreu, que ele apenas e simplesmente “cessou de viver”. Perífrase bolada, certamente, com o intuito de sublinhar o valor da vida, o significado transcendental da jornada humana. E para confirmar o que Camões disse: as pessoas não morrem, partem primeiro.
Murilo Badaró “cessou de viver” num momento fecundo de sua peregrinação pela pátria terrena. Cumpriu, galhardamente, a missão que o destino lhe outorgou, atuando como testemunha ocular, protagonista e documentarista de episódios expressivos da história política de nosso tempo. De alguns desses episódios poder-se-á, com adequação, reconhecer que, mais do que expressivos, revelaram-se culminantes na vida nacional.
Na tribuna parlamentar ocupada pelo seu verbo ardente, ou na pena erudita, por onde passou, em livros e artigos, o entusiasmo arrebatante de arraigadas crenças republicanas e pujança de idéias, esse talentoso patrício viveu papel realçante no palco dos acontecimentos culturais e políticos. Ofereceu-nos, o tempo todo, aos que o admiravam à distância e à legião incontável de amigos, lições de fé e de constancia na democracia. Pregou fervorosamente o culto austero aos princípios éticos, indissociáveis da conduta do homem público movido pelo ideal do serviço desinteressado.
Colocou à mostra, num sem número de importantes funções, todos esses apreciáveis dons. Deixou marcas de operosidade impressas na Assembléia Legislativa, Câmara e Senado federais, Ministérios, organizações governamentais e Academia Mineira de Letras. Levou pra casa, de cada cargo exercido, opulenta bagagem de serviços. Constituíam atributos seus a energia criadora, a lucidez, e a robustez de convicções que compõem o perfil de uma pessoa realmente comprometida com os misteres da liderança.
Sua aventura intelectual entrelaçou-se com a ação política. Isso frutificou nalguns documentários magistrais de nossa história, representados por sequência de estudos biográficos que pode ser tomada como contribuição preciosa para a compreensão de aspectos fundamentais da formação política nacional. Figura respeitada como prosador. Os círculos intelectuais mais qualificados tinham-no na conta de um esteta da palavra. Competente pesquisador, compôs textos que projetam benfazeja influência clássica em sua orientação literária. Tal coisa fica evidenciada na leitura de seus livros, entre eles, “José Maria Alkimim – uma biografia”, “Milton Campos, o pensador liberal”, “Gustavo Capanema, a revolução na cultura”, “Floresta de símbolos”, coletânea de artigos com enfoque em temas políticos, personagens famosos e situações do cotidiano. Na obra “Bilac Pinto, o homem que salvou a República”, de lançamento recente, retrata-se a trajetória reluzente de um dos vultos exponenciais da vida nacional. O autor bota na envolvente narrativa sincera emoção e arrebatamento afetivo, bem típicos de sua personalidade, que ajudam a explicar aquilo que, para alguns, soa como pitada de exagero: a afirmação peremptória do título referente ao papel, sem dúvida destacado, desempenhado pelo ilustre biografado em nossa história republicana.
Os leitores dos artigos de Murilo podiam, por vezes, discordar de um que outro conceito ou apreciação expendidos sobre pessoas e fatos, mas manifestavam-se inteiriçamente concordes em relação a um ponto primordial em sua singular capacidade de criação literária: o domínio que detinha do texto, bem elaborado, elegante, de qualidade excepcional.
No livro “Floresta de símbolos”, reportando-se a uma crônica de 1862 de Machado de Assis, Murilo comenta as reações dos leitores, que tanto podem ser de concordância quanto de divergência, no tocante às idéias dos autores. Diz haver se esforçado por seguir os “prudentes ensinamentos” machadianos, comentando os fatos com reserva, louvando ou censurando, como ditado pela consciência, “sem cair na exageração dos extremos”. Arremata: “foi o que sempre tentei fazer. Espero tê-lo conseguido.”
* Jornalista (cantonius@click21.com.br
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