domingo, 9 de janeiro de 2011

Texto de César Vanucci

A cultura é a ampliação da mente e do espírito.”
(Nehru)




Paisagem - acrílica sobre tela - Camilo Leal

Acadêmico César Vanucci
Os dois, o contista e a poeta, são valorosos companheiros em producentes empreitadas culturais e sociais. Fazem parte, com realçante presença, dos  quadros do Lions, Academia Municipalista de Letras de Minas e Academia Mineira de Leonismo. Tais circunstâncias facultam a esse desajeitado escribaconhecimento mais próximo dos predicados de inteligência de que são detentorese da fecunda atuação de ambos na seara literária, onde se comportam com aconvicção de que a cultura é a ampliação da mente e do espírito.
Carmen Ximenes, a poeta, injeta nos versos e na prosa lirismo extraído docoração. Espontânea, a imaginação fértil, nos versos soltos descreve cenas de transbordante meiguice, captadas em andanças pela vida. Este o tom de “O retrato”, dos “Poemas de Carmen”, de lançamento recentíssimo: “Viajar! Sonho sonhado / Noites inteiras curtindo / Conhecer lugares novos / Viver o nunca vivido / Seguir feliz outra margem / Do rio que delimita / Ser livre para ir e vir / Ver as pirâmides do Egito / Passear pelo deserto / Participar de um rito / Lá em Roma, na Sistina / Ver a China. Ver a China! / Chega o dia, finalmente / Desta viagem sonhada / Se tornar realidade / Sonho tão lindo, tão grato / Vou tirar fotografia. / Preparar o passaporte / Cumprir a burocracia / Mas, ao olhar a figura / Em meia dúzia clonada / Levo um susto – Que feiúra! / E aquela foto maldigo / - Não tem nada a ver comigo... / Não sou eu neste retrato!”
A lira da poeta faz ressoar com graça e leveza aquele sentimento que Balzac define como a única paixão que não admite nem passado nem futuro, o amor.” Na dissertação de Carminha, o amor é assim explicado: “O Amor projeta a geografia de um incerto mapa. / Amor é beijo é tapa é tudo é nada. / Escudo / espada. / Amor é posse. É ter. É mando. / É sempre. Ou, até quando. / Amor é cio. É sede. / É fome, frio. / É sede. / Feito de sol e lua. / Amor é força é forca. / Amor é bicho que nem cupim: rói em silêncio o sonho em mim.”
No poema “Mulher” a poeta fala de suas convicções sobre a participação feminina no jogo da vida, jogo não poucas vezes solenemente fraudado pelo chovinismo machista. Coisa, por sinal, incisivamente repelida por Carminha Ximenes, como sabido pelos incontáveis amigos, em seus procederes como cidadã e humanista. “Quem é que sabe os mistérios da mulher? Ela é mandada ou ela faz é porque quer?” Das perguntas, a poeta parte para as constatações: “Mulher é gente inteligente. / Loura, morena / Negra mulata / Percebe mais sinais / Vindos de onde for / choro escondido / O som a cor. / Escuta grava / Discute acata / Contesta fala / Às vezes cala (...) / Mulher de fato / Que assina o feito / Faz porque quer / Tem senso, tato / Astúcia, jeito / Transforma o ato / Silenciosa / Em verso ou prosa.” Alma gentil, voltada para a ternura, Carminha consegue também cativar ouvintes quando interpreta os próprios textos. O contista, alguém com contribuição intelectual relevante também como historiador, membro do Instituto Histórico e Geográfico, é Daniel Antunes Junior. Escritor de vocabulário requintado, notável talento narrativo, estilo vibrante, revela-se profundamente familiarizado com a vida singela e pictórica dos pequenos burgos da imensidão continental brasileira. Em Lençóis do Rio Verde, pedaço de chão sugestivo e, pode-se dizer, emblemático da palpitante realidade interiorana, Daniel promove, na alentada obra literária que assina, a busca de marcantes tipos humanos e arrebatantes cenas da convivência comunitária. Nada obstante os traços peculiares regionais esplendidamente retratados, tipos e cenas se timbram, por transmitir, ao mesmo tempo, ao leitor o inefável sabor universal das sempre intrigantes reações da alma humana. O livro mais recente de Daniel Antunes Junior, “Coração de Prata”, compõe-se de um conjunto de saborosos “contos correntes”, ambientados, boa parte deles, em vivências de personagens daquele pitoresco recanto. Um lugar que inspirou ao autor, anteriormente, outras interessantes elucubrações literárias. “Lençóis do Rio Verde” é o titulo de um outro livro de Daniel que recolheu, por sinal, avaliação extremamente simpática por parte dos apreciadores de literatura. A ponto mesmo de provocar de ninguém mais, ninguém menos, do que Carlos Drumond de Andrade este envaidecedor depoimento: “Prezado Daniel, Afinal, pude dar uma esticada até Lençóis do Rio Verde, tendo-o com cicerone, e apreciar devidamente as sagas peculiares de sua terra, através dos dados históricos e dos tipos humanos, retratados de maneira tão sugestiva nas páginas de seu livro. Mineiro que sou, e dos melhores tempos, deliciei-me com o que você conta do torrão natal, temperando bom humor e ternura. Livros desses fazem bem à gente, afervorando o amor às raízes.”
Voltando a “Coração de Prata”. Os quase sessenta contos alinhados prendem a atenção. Divertem à pamparra com suas tiradas hilárias. Falam tanto à imaginação quanto ao sentimento. Deixam o apreciador de bons textos diante de um escritor no pleno domínio de sua capacidade criativa. Um pensador de escol que sabe mesclar admiravelmente o conhecimento erudito adquirido na escola e na vida, a habilidade singular na captação de flagrantes do cotidiano e o dom da fantasia que provê de asas criaturas reconhecidamente cultas.
Como deixei subentendido no intróito, estes dois aí, o contista e a poeta, o Daniel e a Carminha, são personagens que enriquecem o cenário cultural mineiro.
* CÉSAR VANUCCI -  Jornalista (cantonius@click21.com.br)

Nenhum comentário:

Postar um comentário