quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Recordando Flash Gordon

Recordando Flash Gordon
Cesar Vanucci *
“O que lembro, tenho.”
(Guimarães Rosa)
Vinte anos atrás, se tanto, uma revista incluiu-me na lista de jornalistas e escritores convidados a indicarem os 20 melhores filmes de todos os tempos. Recordo-me de que os títulos por mim arrolados coincidiram, na maior parte, com os filmes apontados pelas demais pessoas consultadas. Apenas num caso ocorreu discrepância. Fui o único a relacionar entre os filmes mais apreciados as fitas-em-série (como eram chamadas) de Flash Gordon. Fundamentei essa escolha no argumento de que nos fascinantes domínios das criações cinematográficas, em particular, e artísticas, de modo geral, poucas coisas buliram tanto e de forma tão excitante com a mente infantil, quanto as proezas narradas em capítulos do herói de ficção que antecedeu os astronautas da vida moderna.
Ele era visto, semanalmente, nas telas de cinema a singrar o espaço sideral em ruidosa nave com forma de charuto, acompanhado da encantadora Dale Arden, do professor Zarkov e do Príncipe Barin. Cumpria galhardamente a missão de enfrentar as solertes investidas do maligno imperador Ming, do planeta Mongo, com seus abjetos planos de colonização da Terra.
A trama e as ações dos personagens eram, pode-se dizer hoje, bastante simplórias. Os cenários, a se levar em conta os recursos visuais empregados na atualidade pela indústria cinematográfica, revelavam uma simplicidade comovedora. As situações vividas pelos protagonistas anteponham-se a lógica comum. Lembravam um bocado as historietas de quadrinhos. Outro ponto de identificação das fitas em série com os gibis consistia na constatação da solene aversão que Juizes de Menores, educadores e pais nutriam com referencia a essas duas modalidades de entretenimento infantil, encaradas como nefastas na formação educacional. Comissários de menores, compenetrados de sua sagrada incumbência, postavam-se na entrada dos cinemas para impedir a presença de menores de 14 anos. Ficavam ali mode protegê-los dos enormes riscos contidos nas mensagens propagadas nas deletérias aventuras de Flash Gordon.
Nos pátios das escolas havia o costume, também nessa época, de acenderem-se piras de respeitáveis proporções com revistinhas. O nocivo material era localizado nas pastas dos alunos, junto aos livros e cadernos, graças a eficiente monitoramento executado por zelosos encarregados das salas de aula. Em alguns lugares, o fogaréu saneador adquiria aspecto ritualístico. Os pais e os alunos recebiam convites para assistir, ao lado dos professores, a transmutação dos abomináveis impressos multicoloridos em cinzas.
Como são as mudanças comportamentais! Desses processos pedagógicos, numa reavaliação histórica, o que conservamos na atualidade é um registro simplesmente hilário. Os quadrinhos adquiriram status de arte. Os seriados de Flash Gordon são reconhecidos como referencia precursora, tal qual os livros de Julio Verne, nos fascinantes caminhos percorridos pela criatividade humana na busca infindável do sentido da vida. Os produtores do seriado sabiam das coisas. Anteciparam, lá pelos anos 30, as ainda inimagináveis viagens espaciais. Botaram nos céus engenhos voadores tocados a energia nuclear e aparelhados para confrontos bélicos com raio laser. Que poder de imaginação aquele, santo Deus!
Flash Gordon foi protagonizado por Larry Buster Crabbe, nadador que integrou a equipe olímpica estadunidense. A primeira série de fitas, lançada em 1936, custou algo equivalente a 350 mil dólares, uma fortuna para a época. Em 1938, novos capítulos foram lançados. O herói cosmonauta, desta feita, salvou o planeta de uma ofensiva extraterrena articulada por seres de argila, procedentes de Marte, empenhados em retirar o nitrogênio da atmosfera. No derradeiro seriado, o Imperador Ming reapareceu como vilão. Flash Gordon não permitiu, destemidamente, que ele infectasse a Terra com um vírus mortal.
O papel de Dale Arden nos seriados foi vivido por Jean Rogers, pelos padrões de beleza da época uma mulher estonteante. Povoou com meiga presença nas trepidantes aventuras do pioneiro em viagens espaciais os sonhos da meninice de muita gente.
* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)

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