De volta a Euricledes Formiga
“(...) Repetiu o texto de baixo para cima.
(...) Algo
assombroso.”
(Luiz de Paula Ferreira, escritor)
Eurícledes
Formiga era paraibano. Poeta dos bons. Repentista em condições de produzir
espetáculos inesquecíveis. Quem coloca-me a par de tudo isso, reportando-se ao
que narrei no artigo”Super-humano”, em que me ocupei dos prodigiosos dons de
memorização do personagem, é ninguém nada mais, nada menos, do que Luiz de
Paula Ferreira. Intelectual de múltiplas e admiradas facetas, escritor
respeitado, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, e, como
se tudo isso já não bastasse, um dos mais importantes empresários do cenário
industrial brasileiro.
O
depoimento que Luiz me deu ajuda a compor, de forma magistral, o perfil humano
de Eurícledes Formiga. O espaço de hoje fica reservado à reprodução completa
desse elucidativo texto.
“Venho
dizer a você como conheci o Euricledes Formiga.
Foi num jantar de Rotary. Mês de junho, friorento, com
presença numerosa de participantes. Ao fazer a abertura da reunião, o diretor
de protocolo anunciou a presença de um convidado do presidente do clube. O
convidado era um poeta.
O anúncio deu causa a alguns sorrisos e comentários a
meia voz, sobre a utilidade que poderia ter a presença de um poeta em reunião
de comerciantes, fazendeiros e profissionais liberais, que dispunham apenas de
60 minutos para a pauta do dia.
A coisa ficou nisso.
Lá pelo meio da reunião, o presidente fez a
apresentação de seu convidado. Era um paraibano, de passagem para Belo
Horizonte.
O
convidado ergueu-se e fez uma mesura dirigida a todos. Era um cidadão robusto,
de seus 30 anos, claro e corado, de mediana estatura, cabelos alourados,
pescoço grosso, sustentando um rosto largo de nordestino.
E a reunião prosseguiu. Lá pelas tantas foi dada a
palavra ao visitante. E este, no mais carregado sotaque nordestino, pediu
licença para mostrar uns versos que havia composto para as festas de São João,
já que estávamos na época das fogueiras.
E com desempenho vocal que a todos surpreendeu,
declamou um poema ao qual dera o nome de São João do meu Nordeste.
Enorme foi a surpresa. Palmas vibrantes e gerais
explodiram no final de sua apresentação. O homem era poeta mesmo. E dos bons.
Esse conceito, aliado ao entusiasmo de todos, foi se fortalecendo e se
consolidando na medida em que, atendendo a pedidos dos presentes, o cidadão foi
declamando outras poesias de sua privilegiada lavra.
Em determinado momento, já dominando o auditório, o
poeta anunciou que gostaria de improvisar sonetos a partir de motes que os
rotarianos sugerissem.
Teve início então algo que nenhum de nós havia pensado
que um dia pudesse presenciar.
Meia dúzia ou mais de motes foram propostos pelos
rotarianos e o poeta, utilizando cada mote como chave de ouro, improvisou
outros tantos sonetos, de beleza clássica.
Foi um espetáculo inesquecível.
Tempos depois, passando novamente por Montes Claros,
Formiga hospedou-se comigo. No café da manhã, éramos poucas pessoas conversando
com o poeta, quando chegou o jornal da terra.
Na primeira página havia uma crônica de uma coluna,
ocupando metade do comprimento do jornal.
O Formiga pediu-me o jornal, depositou-o sobre a mesa,
à sua frente e fixou os olhos na crônica. Em seguida tapou o texto com a mão e
o braço. Fez isso por duas vezes. Cobria o texto com a mão e o braço e em
seguida o descobria. A seguir
devolveu-me o jornal e pediu:
Corrija-me se eu estiver errado.
A partir daí repetiu palavra por palavra, do princípio
ao fim, o texto do jornalista montesclarense.
Todos os que estávamos presentes, e assistimos a essa
cena, ficamos de queixos caídos.
Ante nosso assombro, pelo ocorrido, ele explicou que
possuía memória visual. Não havia para ele nenhuma dificuldade em fazer o que
assistimos. Tanto era assim que iria agora repetir o texto de baixo para cima.
E o fez, comigo e os demais presentes acompanhando pelo jornal. Algo
assombroso.”
* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)
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