Agressão aos preceitos humanísticos
Cesar Vanucci *
“Homens são homens. Esquecem-se,
às vezes de ser humanos.”
(Shakespeare)
Não
sei bem precisar o motivo pelo qual, em meio ao costumeiro turbilhão do
noticiário, três fatos sem quaisquer conotações, divulgados sem espalhafato,
ocorridos em contextos culturais e geográficos diversificados, remoeram de
forma persistente a minha cuca no final da semana. Consultando os botões de meu
pijama, deduzi a hipótese de que, talvez, a explicação se contivesse na circunstância
de serem, todos eles, de certa forma, reveladores de distorções comportamentais
recebidas, via de regra, por aí afora, sem grandes questionamentos críticos. Distorções
essas – acrescente-se - em flagrante discrepância com preceitos humanísticos que
recobrem a vida de dignidade.
Estes
os fatos.
Como
a Ucrânia e a Polônia foram escolhidas sedes da Eurocopa 2012, a mídia esportiva dedicou
razoável espaço para falar do que anda rolando nos dois paises em termos econômicos,
políticos e culturais. Eis que, de repente, surpreendo-me diante de informações
danadas de inquietantes sobre o antissemitismo que grassa solto num e noutro
país e sobre ostensivas manifestações de feição neonazista levadas
continuamente a público em território ucraniano. As imagens de pessoas
agitando, inclusive em estádios de futebol, o símbolo mais característico da
sinistra era hitlerista, a suástica, deixam-me perplexo. As informações que
complementam as inacreditáveis cenas não fazem por menos. Fica-se sabendo, por
exemplo, que vem ganhando crescente expansão na vida política ucraniana um
partido chamado Svoboda, que prega abertamente o ódio racial. Seus seguidores conservam
na conta de ídolos os veteranos da “Halychyna”, que nada mais é do que uma
brigada dos tempos da ocupação alemã, constituída nos moldes das tenebrosas SS
para cuidar da chamada “limpeza étnica”. Essa brigada ucraniana foi responsável
pela chacina de 200 mil judeus. Doutra parte, o jornalista Michael Goldfarb, no
“The Observer”, assinala que em estádios de futebol na Polônia, como projeção
preconceituosa assimilada culturalmente, a expressão “judeu” é lançada de forma
pejorativa, costumeiramente, nos duelos das torcidas, como elemento de agressão
verbal recíproca. Algo atordoante.
O
outro episódio desnorteante diz respeito a uma pesquisa da Universidade de São
Paulo, divulgada em vários jornais. O “Núcleo de Estudos da Violência” saiu às
ruas em onze capitais brasileiras, ouvindo pessoas sobre o que pensam do
emprego da tortura pra fins de obtenção de provas. Os números apurados são de
estarrecer um frade de pedra. Quase a metade dos entrevistados concorda
totalmente ou parcialmente com a utilização desse “método” selvagem e covarde
de se extrair “confissões” de presos. Seja observado que, em pesquisa anterior,
no ano de 1999, o índice de aprovação da tortura foi, apesar de preocupante,
menor: 34% contra os 47.5% de agora (pesquisa de 2010). Os que repudiam
totalmente essa hedionda modalidade punitiva somavam, em 1999, 71.2% dentre as
pessoas ouvidas. O índice caiu alarmantemente para 52.48% na pesquisa de 2010. É
de dar calafrio na espinha.
O
último fato a comentar tem raiz numa extraordinária façanha cientifica. Dez
anos atrás, na África do Sul, uma equipe de médicos sul-africanos e
estadunidenses conseguiu, num feito celebrado ruidosamente, separar gêmeos
siameses da Zâmbia unidos pelo crânio.
A
história de como tudo se processou, antes, durante e depois da miraculosa
intervenção, é relatada em documentário de tevê com abundância de pormenores.
Os garotos, desfrutando atualmente de plena autonomia de movimentos, são
mostrados em diferentes ocasiões de sua rotina de vida. Inesperadamente, uma
revelação pra lá de desconcertante, se é que esta palavra basta para absorver
devidamente o impacto. Os dois necessitam de cuidados educacionais especiais, à
vista de sequelas deixadas pela intervenção cirúrgica. Os pais não dispõem de
recursos para cobrir o custeio desses serviços de atendimento especial de que
os filhos se fazem carecedores. E não é que ninguém aparece, nesse cenário
dramático, com disposição para botar um final feliz no caso? Difícil pacas
ignorar o toque perverso da situação.
Eta
mundo velho de guerra sem porteira, refratário à justiça social e à
solidariedade humana!
* Jornalista
(cantonius1@yahoo.com.br)
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