Nossos Ódios Cotidianos
Andreia Donadon Leal
Tudo na vida tem que ter seu ponto de equilíbrio, para fluir
normalmente. Isto pode ser aplicado a quaisquer assuntos e ações inerentes às
relações humanas e acontecimentos científicos, que tenham o ser humano como
agente.
A energia elétrica, por exemplo, é gerada a partir de diferenças de
potencial elétrico entre dois pontos (tensão elétrica negativa para outro ponto
de tensão elétrica positiva), que permite estabelecer corrente elétrica entre
ambos.
Para a multiplicação da vida é necessário a junção das células sexuais
masculina e feminina, cada uma delas contendo metade do número de cromossomos.
Quando o espermatozóide entra no óvulo, fundem-se os dois, gerando outro ser ou
uma nova vida.
Para conviver com seu semelhante, é necessário ter o ponto de
equilíbrio, para uma relação respeitável, aceitável e acolhedora pela
sociedade. Esse “ponto de equilíbrio” seria, talvez, a racionalização ou medida
de tudo o que há na vida. Explico-me. Uma criança foi castigada (ficou uma
semana sem poder acessar a internet), por não ter cumprido os deveres da
escola. Para ela, o castigo dado é injusto e inapropriado. Depois de certo
tempo, a criança compreende que o castigo foi bem intencionado. Dessa forma,
encontramos o “ponto de equilíbrio”, no momento em que ela toma consciência de
que a suposta “injustiça” de ficar uma semana sem ligar o computador, estava de
certa forma, justificada pelos motivos educacionais que levaram sua mãe a tal
medida.
Daí, nos deparamos com outro assunto pertinente e tão antigo como a
própria criação do mundo – o ponto de equilíbrio entre o amor e o ódio.
Ninguém ama integralmente seus semelhantes, apesar de o Evangelho de São
João relatar que Jesus ordenou aos seus apóstolos, de que era imprescindível
“amar uns aos outros como ele os amou”. Se amássemos o próximo como a “nós
mesmos”, ou seguíssemos ao pé da letra este preceito, viveríamos no estado
integral e permanente da paz. No entanto, os “pequenos ódios cotidianos” são
sentimentos reais, vivificados e vivenciados por indivíduos de todas as classes
sociais, sem distinção.
A inveja, por exemplo, é expressão clara de nossos “pequenos ódios
cotidianos” e não o “desejo de ser ou ter aquilo que o outro tem”, mas é estado
de pura infelicidade consigo mesmo, com suas limitações, com sua incapacidade
de “engolir” as diferenças existentes, de superar as coisas; de desânimo e de
descrença com sua capacidade de criar ou de gerar coisas novas. É mórbido o descontentamento
com as limitações (todos os seres humanos possuem limitações!), dificuldades ou
falta de talento para fazer determinadas coisas; mas é preciso saber que as
limitações não são para TODAS AS COISAS.
Os seres humanos nascem com talentos diversificados, cada um em sua área
ou campo específico. Uns nascem com verve para serem artistas, escritores,
músicos, professores, médicos, políticos, mães, pais, trabalhadores, etc.
Somos diferenciados e múltiplos, apesar de pertencermos à mesma espécie:
ser humano, com qualidades e defeitos. Mas, que estes dois pontos divergentes
–“qualidade e defeito” sejam bem dosados, medidos e equilibrados pelo homem,
para não afundá-lo numa rede de intrigas, de rancores e de ódio que
ultrapassarão “nossos ódios cotidianos ou do dia-a-dia”, destruindo as relações
de cordialidade, de amizade e de cumplicidade, que nos diferencia dos seres
bárbaros ou dos que perderam a noção de medida. Há uma frase famosa do filósofo
Protágoras que elucida que o “homem é a medida de todas as coisas: das
que existem, porque são; e das que não existem, porque não são”.
Urge equilibrar a
balança, os pontos negativos e positivos, para aprendermos a conviver com o
amor e o ódio, com a felicidade e a infelicidade, com ganhos e perdas, com
nossas limitações, talentos, energias, fraquezas, com a efêmera existência e
com o estado permanente de não existir, nessa teia frágil, delicada e preciosa,
chamada “vida”.
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