domingo, 20 de fevereiro de 2011

Voltando ao poeta Armond

Voltando ao poeta Armond

* Cesar Vanucci

“Qual será, dos poetas,
o mais nobre, aquele que a Bilac se compare?”
(Carlos Drummond de Andrade explicando
como ocorreu a escolha do “Príncipe dos poetas mineiros”)

Brindamos o caro leitor, outra vez mais, com preciosos achados literários “armondianos”. Vem primeiro um poema magistral, inédito, de abril de 1958, há 51 anos, portanto, produzido pelo “Príncipe dos poetas mineiros”. Ao depois, vem  a historieta (extremamente saborosa) sobre como esse honroso título foi acrescentado ao já refulgente currículo do grande poeta barbacenense Honório Armond. A narrativa de como a escolha se deu foi feita em crônicas de Carlos Drummond de Andrade. Uma, estampada em 3 de fevereiro de 1979 no JB. Outra, no “Estado de Minas”, edição de 19 de novembro de 1977.

“Uma nuvem no Ocaso...” é o título do poema. Armond convida-nos, por assim dizer, a um banho de imersão em poesia pura:
“Viste, acaso, um suavíssimo Poente, / de cinza e rosa, em gemas merencórias, / iluminar-se, inesperadamente, / numa rajada de clarões e glórias?/
...uma nuvem pequena, alta e morrente, / lembrando auroras, madrugadas flóreas, / foi tocada do Sol, subitamente, / e eis que rutila em chamas ilusórias.../
Há-de, em breve, apagar-se, ao vir da treva / que a lento e lento, coleante, adensa, / mortalhando o céu crepuscular.../
Mas, ao sumir-se, no bulcão que a leva, / que sonhos trouxe!...que ternura imensa!.../ quanta palavra reflorindo ao Luar!...”

A palavra agora é passada para o fabuloso Drummond de Andrade. A crônica  mencionada (publicada no JB) traz por título “O príncipe dos poetas”. Reproduzimo-la na íntegra.
“Fazer.
É preciso fazer alguma coisa que pelo menos risque um círculo efêmero na água morta da cidade.
Vamos eleger o Príncipe dos Poetas Mineiros?
Na redação, em mesas próximas, João Alphonsus emite seu sorriso enigmático. Emílio Moura, recém-chegado de galáxia, aprova com doçura.
Mãos à obra!
O eleitorado é quem quiser ser eleitor, principalmente nós, inelegíveis de nascença. Pingam votos esparsos. Desconfiança. Isso é brincadeira de irresponsáveis futuristas?
É sério, gente. Votos para Belmiro Braga, o velho Augusto de Lima e Noraldino e Mário Matos. Poeta nenhum deixa de ter o seu votinho, menos nós, questão de ética ou de tática?
Abgar, nosso amigo, cresce em números, mas se for escolhido vão dizer que a eleição, como as outras, nada vale.
Em apuros estamos. Afinal, qual será, dos poetas, o mais nobre, aquele que a Bilac se compare?
Um não serve por isto ou por aquilo. Outro passou de moda. Outro é feroz contemptor de experiências modernistas.E um príncipe hostil não apetece à nossa moderada veia lúdica.
O estalo nos salva: Honório Armond em sua Barbacena roseiral é altivo, é discreto, é bom poeta. Dará ao fraco título grandeza.
Votação carregada elege-o com destaque. Muito bem.
Mas Honório, mineiro cem por cento, sem recusar redondamente a láurea, responde: “Eu, príncipe? De quê? Só se for, por distinção latina, Princeps Promptorum”...E continuou sereno, silencioso, em seu rosa-lar de Barbacena.”

Na crônica do “Estado de Minas”, que recebeu o mesmo título, Carlos Drummond aborda numerosos aspectos de sua passagem, com outros intelectuais de relevo, pela redação do antigo “Diário de Minas”. O divertido trecho concernente ao tema de que agora nos ocupamos é este: “Nós, redatores jovens, assimilávamos o famoso senso mineiro da ordem, para uso da matéria política. No mais, éramos uns desmandados. Inventamos um concurso para eleição dos poetas mineiros (o que havia de mais incompatível com o modernismo) e mediante processos eleitorais facilmente compreensíveis, demos o título a Honório Armond, poeta discreto que, lá de Barbacena, onde vivia, agradeceu polidamente mas tirou o corpo fora: “De coração, meu bom amigo, acho que esta eleição não representa a verdade. Isto é cabala de estudantes, meus amigos e alunos, e bem sabe que o voto, para nós, nada significa”. E assinou: “Honório Armond, Princeps Promptorum”. Convém esclarecer que pronto, na gíria de então, era o indivíduo sem dinheiro: avalie o que não seria o príncipe dos prontos de Minas Gerais.”


                                   *Jornalista(cantonius@click21.com.br)

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