Outono de mim
Vilma Cunha Duarte
Outono me possui magicamente, doura-me os pensamentos
e me ressuscita mulher.
Arranca peles e folhas secas e me seiva de corpo
inteiro com a poção da Poesia.
Pelos milagres incontestáveis da natureza sinto-me
árvore de bons frutos. Que ofereço de graça e pela graça da
Poesia.
Distribuo iguarias cheirosas com gosto bom de paz,
depois de nutridas nos pomares do perdão, uma das moradas da
Poesia.
Pinto crepúsculos com ouro e rubro ao pôr do sol, e
chamo o Rei para ir deitar-se com a
Poesia.
Anilo céus das minhas manhãs douradas com pincéis de
Poesia.
Resfrio as tardezinhas com sopro de brisa e
aqueço-me com o manto rendado da
Poesia.
Peço e ganho chuvinha mansa que não relampeja e
assusta, lava-me os braços enfolharados, faz brotar rimas e versos de flores, em
minhas mãos de Poesia.
Acendo as estrelinhas do céu e brinco de Drummond,
Quintana, Adélia Prado com a lua apaixonada por
Poesia.
Assisto ao vento embalar folhas caídas de mansinho
como se coreografasse a alma da
Poesia.
Outono e eu somos vida na união feliz, que não teme a
morte invejosa da felicidade.
Outono me vira do avesso, expõe minhas sementes que
brotam esfuziantes em flores e frutos de mim, a
estação.
Sou paineira explodindo cor-de-rosa nos meus galhos
frondosos, e tapete bonito pra quem enxerga o belo no alto e no
chão.
Mexerica suculenta mordida com gosto por bocas
sequiosas de frutas outonais.
Manhãs, tardes e noites misteriosas, que não sabem
controlar suas friagens e quenturas.
Sou outono volúvel e sereno, encantador e dissimulado,
instigante e poético até não poder.
Um hora, hei de compor o melhor poema outonal.
Buscarei as rimas na pele acariciada pela brisa
sedutora, e os versos nos sonhos sonhados, porque só os sonhos sabem
repetir os melhores momentos da
felicidade.
Das minhas estações nunca escondi, gosto mais de ser
outono.
Que me abraça e aperta saudades, que ontens e mais ontens, nunca conseguiram
levar.
Outono tem o talento pra renovar-me
melhor.
Despojada de peles velhas e folhas ressequidas,
renasço estrofes de fruto maduro com gosto de amor
eterno.
Outono de mim.
Licença que a Poesia me dá!
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