domingo, 22 de abril de 2012



Outono de mim
                            Vilma Cunha Duarte
 
Outono me possui magicamente, doura-me os pensamentos e me ressuscita mulher.
Arranca peles e folhas secas e me seiva de corpo inteiro com a poção da Poesia.
Pelos milagres incontestáveis da natureza sinto-me árvore de bons frutos. Que ofereço de graça e pela graça da Poesia.
Distribuo iguarias cheirosas com gosto bom de paz, depois de nutridas nos pomares do perdão, uma das moradas da Poesia.
Pinto crepúsculos com ouro e rubro ao pôr do sol, e chamo o Rei para ir deitar-se com a Poesia.
Anilo céus das minhas manhãs douradas com pincéis de Poesia.
Resfrio as tardezinhas com sopro de brisa e aqueço-me com o manto rendado da Poesia.
Peço e ganho chuvinha mansa que não relampeja e assusta, lava-me os braços enfolharados, faz brotar rimas e versos de flores, em minhas mãos de Poesia.
Acendo as estrelinhas do céu e brinco de Drummond, Quintana, Adélia Prado com a lua apaixonada por Poesia.
Assisto ao vento embalar folhas caídas de mansinho como se coreografasse a alma da Poesia.
Outono e eu somos vida na união feliz, que não teme a morte invejosa da felicidade.
Outono me vira do avesso, expõe minhas sementes que brotam esfuziantes em flores e frutos de mim, a estação.
Sou paineira explodindo cor-de-rosa nos meus galhos frondosos, e tapete bonito pra quem enxerga o belo no alto e no chão.
Mexerica suculenta mordida com gosto por bocas sequiosas de frutas outonais.
Manhãs, tardes e noites misteriosas, que não sabem controlar suas friagens e quenturas.
Sou outono volúvel e sereno, encantador e dissimulado, instigante e poético até não poder.
Um hora, hei de compor o melhor poema outonal.
Buscarei as rimas na pele acariciada pela brisa sedutora, e os versos nos sonhos  sonhados, porque só os sonhos sabem repetir os melhores momentos da felicidade.
Das minhas estações nunca escondi, gosto mais de ser outono.
Que me abraça e aperta saudades, que  ontens e mais ontens,  nunca conseguiram levar.
Outono tem o talento pra  renovar-me melhor.
Despojada de peles velhas e folhas ressequidas, renasço estrofes de fruto maduro com  gosto de amor eterno.
Outono de mim.
Licença que a Poesia me dá!

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