Um verdadeiro humanista
Cesar Vanucci *
“Quem não gosta do Brasil não me interessa.”
(Gilberto Amado)
Tantas coisas ditas e tantas ainda a dizer sobre JA. Reservo-me o direito de, pra frente, voltar a registrar, atos, fatos, ditos e feitos que possam ser incorporados à saga desse personagem fascinante.
O que desejo, por agora, no arremate desta sequencia de artigos, em que me esforcei por pincelar algumas facetas de sua cintilante trajetória, é sublinhar o caráter humanístico que norteou as fecundas ações nesta sua peregrinação pela pátria terrena. Já foi falado, mas não fica demais repetir (a repetição, como atestava Napoleão, é sempre a melhor retórica): o legado deixado por Alencar servirá, com certeza, de inspiração pra muita gente.
Do povoado de Itamuri ao Palácio do Jaburu, chão a perder de vista na extenuante caminhada, o cidadão de infância humilde daquela paisagem roceira, que veio a exercer nos cenários majestosos e refinados do poder funções que tão forte influência tiveram nos destinos de seus compatriotas, soube conservar íntegros os valores e crenças adquiridos no aconchego familiar. Manteve-se fiel às raízes. Os aconselhamentos paternos valeram-lhe de farol na caminhada. “O importante na vida, meu filho, é poder voltar”, foi o que lhe disse o pai, Antônio, no dia em que o abençoou em sua partida rumo a centro maior na busca de “lugar ao sol.”
Alencar madrugou no trabalho, começando por tarefas bem modestas. À custa de invulgares talento e capacidade empreendedora, construiu, palmo a palmo, reluzente carreira. De balconista a pequeno comerciante. Na atividade industrial, despontada adiante, percorreu longo e árduo itinerário até chegar à posição de realce assumida no panorama empresarial.
A crença humanística impregnava seu comportamento. No trabalho, pontilhado de conquistas sociais enriquecedoras. No lar, construído com a ajuda inestimável e decisiva de dona Marisa, companheira resoluta, dama de acrisoladas virtudes, mulher forte na inteireza evangélica. Na vida pública inatacável, reconhecida na reverência das ruas, a partir, sobretudo, do momento em que galgou a Vice-Presidência e criou, com sua inteligência descortinadora, uma forma muito peculiar, descontraída, franca, bem humorada, de dialogar com a sociedade em torno de questões palpitantes. Na doença inclemente, em que tocou a todos com sua inabalável disposição de seguir em frente.
Alencar preencheu com atitudes e palavras, botando pra fora seu apego a valores humanísticos e espirituais que conferem dignidade à aventura humana, um espaço na paisagem política que é hoje percebido pelos seus patricios como uma referência de vida, valendo de exemplo e inspiração.
Foi um compatriota que soube olhar o Brasil, o jeito de ser de sua gente, com sentimento de brasilidade. Pensava como Gilberto Amado: “Quem não gosta do Brasil não me interessa.” Sentia-se em desagrado com essas pessoas que, contemplando nossa realidade, nossas lutas e conquistas, procedem como aqueles indivíduos mórbidos pela própria natureza que, diante da magnitude do mar, só têm palavras para o enjôo, conforme a anotação crítica de Louis Pauwells.
Deixei por último uma revelação danada de intrigante, de certo modo inédita, já que nunca registrada publicamente, envolvendo uma previsão feita por Neila Alckmin a este desajeitado escriba numa manhã nevoenta de fevereiro do ano de 1990. As circunstâncias que me colocaram frente a frente com a famosa sensitiva, de saudosa memória, em Conceição do Rio Verde, foram, pra dizer o mínimo, intrigantes. Deixo para outra ocasião essa parte do relato. O que desejo sublinhar é o seguinte: Neila antecipou, surpreendentemente, num papo com duração bastante extensa, que o dirigente maior da entidade em que eu trabalhava – a Fiemg – estava vocacionado a cumprir, num futuro próximo, uma missão de notável relevo na cena pública brasileira. Lembro-me de ter-lhe indagado, na ocasião, relutando, inconscientemente, de certa maneira, em acatar seu vaticínio, por que não dera certo a previsão que fizera acerca da eleição do Afif Domingos no pleito presidencial recém-findo. Ela não demonstrou melindrar-se com a pergunta. Limitou-se a explicar que fora mal interpretada no tocante ao fato, que rendeu, como é sabido, vasto comentário crítico na época.
Depois deste encontro, antes de sua partida, falei com Neila por mais três vezes. Todas por telefone. Ela sustentou, convictamente, o que havia dito acerca do futuro papel político de Alencar na história brasileira.
* Jornalista (cantonius@click21.com.br)
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