domingo, 27 de março de 2011

O fascínio do todo

O fascínio do todo

Cesar Vanucci *

“As paixões conduzem a vida. À vida também.”
(Luis Giffoni)

Luis Giffoni navega com invejável desenvoltura em todas as correntes da expressão literária. Provas cabais disso nô-las dá em opulenta obra, de borbulhante versatilidade artística. Bota pra fora em qualquer tipo de texto, poesia ou prosa, o fascínio que sente pela aventura humana. Identifica-se, no contexto existencial, com aquelas criaturas singulares da paisagem literária que vislumbram no humanismo a própria essência da vida. Criaturas talentosas, bem articuladas no jogo da vida, comprometidas com os clamores das ruas de sua época.

Uma espécie de gente que sabe perfeitamente não haver tempo a perder. Artistas que fazem uso da capacidade intuitiva pra enxergar primeiro as coisas. Chegam antes, assim, às interpretações dos fatos. Entregam-se à contemplação das estrelas para aprender e indicar rumos. Revelam-se indomáveis no afã de abarcar, nem que seja (como é compreensível) na base da pura quimera, o todo humano. Exercitam a liberdade criadora, - no caso de Giffoni, com sonora dicção lírica, linguagem ficcional burilada, dentro de um rigor de forma e idéias – na elaboração de textos que transmitam algo esperançoso sobre o mundo.

“O fascínio do nada”, coletânea de ensaios e crônicas alusivos a candentes temas da atualidade, recentemente lançado nas livrarias, é uma amostra eloquente a mais do alinhamento do escritor com o sentimento humanístico. Não deixa de ser - nas abordagens críticas, recados didáticos e conceitos expendidos sobre as virtualidades e fragilidades humanas, estampadas nos fatos focados - um livro esplêndido do ponto de vista estético, pela construção fraseológica requintada. Mas é, igualmente, um documento social vigoroso, com proposta humanística de vanguarda.

Não sei, sinceramente, se alguém já se deu ao trabalho de identificar com algum sabor conhecido os escritos que proporcionam deleite. Deixamos solta, aqui, modesta contribuição para quem, com arte e engenho situados bem além de nossas possibilidades, se disponha a aprofundar o exame dessa singular correlação. A palavra de Giffoni tem gosto de chocolate. Chocolate espumoso, nutritivo, desses que se recomenda tomar a goles compassados, mode extrair do produto, parafraseando simploriamente o poeta, a eternidade de cada momento.

Este livro de que se está a falar reporta-se a flagrantes da vida cultural, a teorias científicas, religiosas e políticas que tanta influência exercem sobre o comportamento das pessoas, às ambições imperialistas e hegemônicas das grandes potências. Pode ser visto, admitida a comparação acima, pelos ensinamentos propiciados, a uma iguaria achocolatada absorvida prazerosamente como alimento pelo espírito.

As reflexões do autor traduzem perplexidades. Propõem questionamentos. Provam que as paixões humanas, arrebatantes, precárias, estipulando modelos de convivência, são fundamentais. “Com sua ajuda, o ser humano evolui sobre a Terra.” “Elas (as paixões) conduzem a vida. À vida também.” Uma poética pujante faz perpassar também pelas 150 páginas o sentimento nacional de que se acha impregnada a formação desse notável homem de letras. Um estudioso da alma humana que constata em suas avaliações “as investidas contra as pessoas, as crendices apregoadas, as milenárias superstições que perduram, as hipóteses de trabalho tornadas verdades, os delírios entronizados nas mídias, a falta de senso crítico.” Mas que está convencido também de que “por mais cruéis e insustentáveis que sejam alguns pontos de vista, jamais nos livraremos deles.” Até mesmo porque “a diversidade faz a graça do mundo – um mundo cheio de graça, por sinal.”

“O fascínio do nada” – repetimos – escancara o fascínio de Giffoni pelo todo.

* Jornalista (cantonius@click21.com.br)

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