segunda-feira, 21 de maio de 2012

Clamor universal


Clamor universal

Cesar Vanucci *

“O bem estar do povo é a lei suprema.”
(Cícero)


O movimento pode até ter perdido o fôlego inicial. Mas deixou marcas, disseminou conceitos, ganhou consciências. Revelou algo importante para as avaliações antropológicas: as emoções populares transportadas para as ruas, não importa onde, guardam no mundo contemporâneo notáveis afinidades. Independentemente de nacionalidades, idiomas, crenças religiosas, hábitos culturais. Ocorram as manifestações em Manhatan, na Cinelândia carioca, na praça Vermelha em Moscou, nas cercanias do Taj Mahal, na Índia.

A multidão, composta basicamente de jovens, do “Ocupe Wall Street”, convocada a exteriorizar seu inflamado inconformismo diante do agravamento das desigualdades socioeconômicas em seu país, reproduziu à sua maneira, dentro de contexto cultural específico, a mesma indignação que a rapaziada de numerosos lugares do Oriente despejou nas praças por ocasião da chamada “primavera árabe”. Nem tudo que uns e outros almejaram, ou continuam almejando em seu formidável desabafo cívico, impregnado de idealismo, redundou de pronto em conquistas. Ocorreram, como sabido, não poucas frustrações. Mas as idéias renovadoras lançadas no ar, as propostas de mudanças vitais apresentadas, os anseios de liberdade propagados fixaram, quando pouco, marcos referenciais reveladores nos caminhos a serem trilhados, daqui pra frente, pelas lideranças políticas e de outros setores providos de lucidez e com responsabilidades definidas na construção do desenvolvimento econômico e social.

Fica muito claro na percepção global da sociedade a existência hoje de uma consciência social desperta, em tudo quanto é canto deste planeta azul, para a necessidade de reformulações sociais capazes de garantirem a elevação a patamares dignos e justos das condições de vida de todos os seres humanos. O clamor que volta e meia espoca em passeatas pelas ruas afora do mundo, desvinculado em suas origens de inspirações político-ideológicas contaminadas, acena esperançosamente com as perspectivas descortinadoras de uma nova era. Uma era mais fraternal, mais justa, consentânea com a dignidade do ser humano. Dá pra perceber, auspiciosamente, que tais ações coletivas se contrapõem visceralmente às proposições nascidas das lateralidades incendiárias. Contempla-se momento da história propenso a condenar as exacerbações e extravagâncias do fundamentalismo político e religioso em suas interpretações rançosas da aventura humana. O que está aflorando é um sopro possante e irrefreável, de feição humanística, que abomina o despotismo, a violência contra os direitos fundamentais, o racismo, a prepotência dos feudos econômicos despojados de responsabilidade e sensibilidade social, a arrogância imperial dos arranjos geopolíticos prejudiciais às nações e agrupamentos vulneráveis. E que, paralelamente, por outro lado - arriscamo-nos mesmo a dizer com “benfazejo fanatismo” –, cultua a democracia, em sua pura inteireza e intransigente apego às liberdades de ir e vir e de manifestação plena das idéias.

A crescente desigualdade de renda, seja nos Estados Unidos, no Brasil, na Europa, ou quaisquer outros lugares, coloca como prioridade, na agenda dos grandes e transcendentes debates humanos da atualidade, a exigência de uma reformulação da ordem econômica e social. O processo de canalização das riquezas extraídas do talento e labor humanos precisa ser passado a limpo. O brado dos jovens do “Ocupe Wall Street” exprimiu o desconforto da sociedade estadunidense diante da constatação de que uma minoria da população é escandalosamente favorecida pelo regime de impostos e de bonificações de toda sorte vigorante no país, desfrutando à vista disso do “direito” de poder expandir incessantemente seu patrimônio pessoal. Nada diferente do que acontece, aqui por nossos pagos, ou com igual, maior ou menor intensidade, em tantos outros lugares. Vem daí a certeza da universalidade do sentimento em favor de reformas econômicas, sociais e políticas que povoa as ruas.
E pra arrematar essas reflexões: o bem estar do povo é a lei suprema. Cícero já proclamava isso um bocado de anos antes da era cristã.

* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)

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