Clamor universal
Cesar Vanucci *
“O bem estar do povo é a lei
suprema.”
(Cícero)
O
movimento pode até ter perdido o fôlego inicial. Mas deixou marcas, disseminou
conceitos, ganhou consciências. Revelou algo importante para as avaliações
antropológicas: as emoções populares transportadas para as ruas, não importa
onde, guardam no mundo contemporâneo notáveis afinidades. Independentemente de
nacionalidades, idiomas, crenças religiosas, hábitos culturais. Ocorram as
manifestações em Manhatan, na Cinelândia carioca, na praça Vermelha em Moscou,
nas cercanias do Taj Mahal, na Índia.
A
multidão, composta basicamente de jovens, do “Ocupe Wall Street”, convocada a
exteriorizar seu inflamado inconformismo diante do agravamento das desigualdades
socioeconômicas em seu país, reproduziu à sua maneira, dentro de contexto
cultural específico, a mesma indignação que a rapaziada de numerosos lugares do
Oriente despejou nas praças por ocasião da chamada “primavera árabe”. Nem tudo
que uns e outros almejaram, ou continuam almejando em seu formidável desabafo
cívico, impregnado de idealismo, redundou de pronto em conquistas. Ocorreram,
como sabido, não poucas frustrações. Mas as idéias renovadoras lançadas no ar,
as propostas de mudanças vitais apresentadas, os anseios de liberdade
propagados fixaram, quando pouco, marcos referenciais reveladores nos caminhos
a serem trilhados, daqui pra frente, pelas lideranças políticas e de outros
setores providos de lucidez e com responsabilidades definidas na construção do
desenvolvimento econômico e social.
Fica
muito claro na percepção global da sociedade a existência hoje de uma
consciência social desperta, em tudo quanto é canto deste planeta azul, para a
necessidade de reformulações sociais capazes de garantirem a elevação a patamares
dignos e justos das condições de vida de todos os seres humanos. O clamor que
volta e meia espoca em passeatas pelas ruas afora do mundo, desvinculado em
suas origens de inspirações político-ideológicas contaminadas, acena
esperançosamente com as perspectivas descortinadoras de uma nova era. Uma era
mais fraternal, mais justa, consentânea com a dignidade do ser humano. Dá pra
perceber, auspiciosamente, que tais ações coletivas se contrapõem visceralmente
às proposições nascidas das lateralidades incendiárias. Contempla-se momento da
história propenso a condenar as exacerbações e extravagâncias do
fundamentalismo político e religioso em suas interpretações rançosas da
aventura humana. O que está aflorando é um sopro possante e irrefreável, de
feição humanística, que abomina o despotismo, a violência contra os direitos
fundamentais, o racismo, a prepotência dos feudos econômicos despojados de
responsabilidade e sensibilidade social, a arrogância imperial dos arranjos
geopolíticos prejudiciais às nações e agrupamentos vulneráveis. E que,
paralelamente, por outro lado - arriscamo-nos mesmo a dizer com “benfazejo
fanatismo” –, cultua a democracia, em sua pura inteireza e intransigente apego
às liberdades de ir e vir e de manifestação plena das idéias.
A crescente
desigualdade de renda, seja nos Estados Unidos, no Brasil, na Europa, ou
quaisquer outros lugares, coloca como prioridade, na agenda dos grandes e
transcendentes debates humanos da atualidade, a exigência de uma reformulação
da ordem econômica e social. O processo de canalização das riquezas extraídas
do talento e labor humanos precisa ser passado a limpo. O brado dos jovens do
“Ocupe Wall Street” exprimiu o desconforto da sociedade estadunidense diante da
constatação de que uma minoria da população é escandalosamente favorecida pelo
regime de impostos e de bonificações de toda sorte vigorante no país, desfrutando
à vista disso do “direito” de poder expandir incessantemente seu patrimônio
pessoal. Nada diferente do que acontece, aqui por nossos pagos, ou com igual,
maior ou menor intensidade, em tantos outros lugares. Vem daí a certeza da
universalidade do sentimento em favor de reformas econômicas, sociais e
políticas que povoa as ruas.
E
pra arrematar essas reflexões: o bem estar do povo é a lei suprema. Cícero já
proclamava isso um bocado de anos antes da era cristã.
* Jornalista
(cantonius1@yahoo.com.br)
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