terça-feira, 20 de março de 2012

Neobobice vernacular


Neobobice vernacular

Cesar Vanucci *


“Essa língua (...) é a nossa língua”  
(Raquel de Queiroz)

Até hoje o Congresso Nacional não aprovou o projeto do ex-deputado Aldo Rebelo, hoje Ministro dos Esportes, que regulamenta o emprego de expressões estrangeiras em eventos públicos, meios de comunicação, estabelecimentos comerciais, educandários, embalagens de produtos, por aí. Traduzindo, de certo modo, o inconformismo da sociedade diante dessa onda abobalhada de estrangeirices vocabulares que nos assola, o projeto é visto, por muita gente de peso intelectual, como uma tentativa louvável de se deter o processo, em marcha acelerada, da desnacionalização idiomática, com todos os seus nefandos desdobramentos culturais nas práticas cotidianas. Tudo fruto de indigência cívica, pauperismo intelectual e de rematada panaquice, sinais inequívocos da atmosfera que se respira em ambientes despojados do sentimento de brasilidade.

Mesmo não conhecendo na íntegra o projeto e imaginando, à vista disso, possa uma que outra disposição do texto comportar questionamentos, ou mudanças, como propõem alguns, não há como deixar de aplaudir na essência essa iniciativa, por representar reação que já vem tarde contra a neobobice vernacular que nos agride nos lares e nas ruas.

Muita gente, atingida pelos modismos moderneiros, encontra dificuldades em entender coisa tão curial: o idioma é a pátria. É o símbolo – o mais reluzente – da nacionalidade. Projeta, com dinâmica própria, o nosso modo normal de expressão, o nosso jeito de ver e sentir. As emoções puras e generosas da gente do povo. O idioma conta e canta a nossa cultura, nossos feitos e realizações. Mantém-nos íntegros e individidos em nossos sagrados domínios territoriais. Domínios territoriais, aliás, tão cobiçados pelo aventureirismo beligerante e ardiloso destes tempos de globalização fajuta.

Posto que a língua falada no Brasil é o brasileiro, um dos muitos idiomas saídos do português, já vem passando a hora de uma vigorosa resistência contra a tendência, de inocultável frescurice, da utilização, a três por quatro, em tudo quanto é canto, de vocábulos estrangeiros para classificar situações e coisas óbvias.

O aprendizado de outros idiomas é parte relevante na preparação do homem para o instigante jogo da vida. É o caso do inglês e do espanhol, por exemplo, ou o mandarim, talvez mais na frente. Mas a busca do aprendizado de outras línguas não pode significar que a gente deva ou precise esquecer a língua da gente. Isso remete a texto precioso de Eça de Queiroz. “Um homem só deve falar, com impecável segurança e firmeza, a língua da sua terra; todas as outras as deve falar mal, orgulhosamente mal, sem aquele acento chato e falso que denuncia logo o estrangeiro.” Como? O ilustre leitor destas maldigitadas acha que a tintura nacionalista do mestre está forte por demais?

Respondo à observação com uma pergunta: mas será que o momento, face às heresias vocabulares soltas por aí, com base no inglês “more or less”, não está a clamar por posições desse jaez, de claro destemor cívico, que resguardem o nosso patrimônio cultural? Muitos os abusos. Os impropérios lingüísticos. O idioma do Brasil é o idioma brasileiro. Ponto final.

É preciso deixar explícito que aos brasileiros aborrece – e muito – esse negócio de cardápio em restaurante e de saldo de retalho de loja anunciados em língua de gringo; de veículo carregando no pára-choque bobagens do tipo “My other car is a plane”, ou de “God bless America”; de repórter de tevê a  falar de “break”, e de incontáveis babaquices assemelhadas. Isso sem falar na nomenclatura aplicada aos dispositivos que acionam as engenhocas eletrônicas que estes tempos tecnológicos introduziram estrepitosamente na vida do cidadão comum.

Isto posto não há como não classificar de bem-vinda a disposição parlamentar de se por freio nisso tudo.

Levar logo o projeto para discussão, alterações nas Comissões, voto em plenário e sanção presidencial é uma boa.


* Jornalista, (cantonius1@yahoo.com.br)

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