quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Era uma vez no Iêmen

Era uma vez no Iêmen

Cesar Vanucci *


“Agradeço a ajuda dos Estados Unidos e da Arábia Saudita”.
(Palavras de Ali Abdullah Saleh, ditador apeado do poder,
 na volta inesperada ao palácio governamental)


Os democratas autênticos acompanham com um nó apertado no peito os desdobramentos das insurreições populares em territórios árabes. Percebem, com disfarçável inquietação, que em razão das indesejáveis tricas e futricas diplomáticas de bastidores muitas coisas que pareciam ser já não mais são.

Por força de um jogo sibilino promovido por conveniências poderosas, os objetivos dos movimentos populares em prol das liberdades públicas, vêm sendo distorcidos, aqui e ali, cedendo lugar a remanejos e reacomodações inimagináveis, capazes perfeitamente de sufocarem os sonhos e as esperanças levados, sobretudo pelos jovens, às ruas e praças convulsionadas.

O caso do Iêmen, que não é positivamente um caso isolado, reveste-se de caráter emblemático assustador. O dirigente supremo do país, Ali Abdullah Saleh, foi desafiado pelas multidões. Reprimiu com extrema ferocidade as manifestações, na mesma linha demencial de outros déspotas da região. A mídia internacional cobriu os acontecimentos, durante certo período, com enorme realce. Montou, pode-se dizer, uma crônica diária dos acontecimentos, de alguma maneira criando atmosfera favorável à retirada de cena do abominado ditador. Retratou, com abundancia de pormenores, sua trajetória sanguinária que tantos malefícios rende ao povo iemenita.

A enfática cobertura se estendeu até o momento em que Ali Abdullah Saleh foi alvejado na ocupação do palácio presidencial pelas forças insurgentes e conduzido, às pressas, em estado grave, para a Arábia Saudita, em busca de cuidados médicos. Os despachos dos correspondentes deram por vitoriosa, nessa precisa hora, a luta empreendida pela população no sentido de desalojá-lo do poder.

De repente, não mais do que de repente, o Iêmen e seu detestado dirigente tomaram “chá de sumiço” (como se dizia em tempos antigos) no noticiário nosso de cada dia. Deixaram, surpreendentemente, de frequentar os boletins da televisão e as colunas dos jornais. Silêncio sepulcral se abateu sobre os fatos políticos desenrolados no país e sobre seu personagem central.

Até que, pra aturdimento geral, a mídia resolveu, de novo – sem deixar à mostra a mais ligeira disposição pra explicar o que andou ocorrendo no país nesse razoável intervalo – “redescobrir” o presidente deposto. Localizou-o, são e salvo da silva, já “recuperado” dos ferimentos, a reassumir, “gloriosamente”, sem enfrentamentos aparentes, o posto de comando no palácio governamental em Sana, como se nada de relevante e impactante do ponto de vista político houvesse sucedido pratrazmente. A informação laconicamente transmitida é de que o dito cujo acabara de retornar da viagem feita à Arábia Saudita, após o internamento hospitalar, retomando a rotina dos despachos. E, por acréscimo, anunciando a firme e “saudável” disposição de entabular negociações em torno dos rumos futuros da nação. Das multidões e das lideranças sublevadas não se ouviu falar mais nadica de nada. Em pronunciamento pela televisão, Ali Abdullah Saleh confessou-se agradecido aos Estados Unidos e Arábia Saudita “pela valiosa ajuda recebida”, acentuando que seu governo vai combater com o máximo rigor o terrorismo. Mas não deixou explicitado se as forças terroristas citadas seriam os adversários que o afastaram (pelo visto, apenas temporariamente) do poder.


* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)


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