Acadêmicas da AMULMIG
Homenageadas pelo Lions
César Vanucci - Membro da AMULMIG e Jornalista
Na celebração do “Dia Mundial do Serviço Leonistico” (oito de outubro), o Distrito LC-4 do Lions Clube, composto de 70 Núcleos, homenageou 30 Mulheres de realce da vida cultural, científica, política e social. A solenidade, concorridíssima, foi realizada no majestoso Auditório JK, da Cidade Administrativa.
Entre as homenageadas figuram quatro Acadêmicas dos quadros da AMULMIG: Andreia Donadon Leal, Angela Togeiro, Cely Maria Vilhena Falabella, Conceição Parreiras Abritta.
O Presidente da Comissão Organizadora da comemoração, Cesar Vanucci, também membro da AMULMIG, foi o orador oficial.
O discurso por ele proferido é o que se segue.
“Antes de tudo mais, falando em nome da Comissão Organizadora, desejamos saudar, com efusão fraternal, todas as pessoas aqui reunidas, companheiros do movimento leonístico, autoridades, homenageadas, convidados em geral. Fazemos isso nas pessoas de Vilma Raid Fernandes, primeira Mulher a comandar os destinos do Distrito LC-4 do Lions; de Fábio Oliveira, presidente do Conselho de Governadores do Múltiplo LC; de Sóter do Espírito Santo Baracho, presidente da Academia Mineira de Leonismo; do Deputado Doutor Viana, valoroso Companheiro Leão e digno parlamentar, representante da Assembléia Legislativa de Minas Gerais; Saudamos Rosane Terezinha Jahnke Vailatti, tocados pela expectativa e esperança de vê-la galgar, em breve, na condição de primeira mulher a fazê-lo, o topo diretivo da maior organização de serviços do mundo.
Recebemo-la aqui, caríssima Rosane, neste amorável encontro de confraternização, juntamente com as outras valorosas homenageadas e com nossa primeira governadora, Vilma, como um símbolo da Mulher deste século 21. Um ser humano na plenitude de suas prerrogativas, que soube sobrepujar penosos obstáculos em sua trajetória emancipacionista, erguidos por milenares despropósitos masculinizantes, nascidos de processos culturais despojados de humanismo e espiritualidade. Valho-me desta ocasião para registrar com o mais intenso regozijo, o anuncio, ontem feito da concessão do Premio Nobel da Paz deste ano que contemplou três Mulheres valorosas. Da Libéria e do Iêmen, países um tanto quanto esquecidos do resto do mundo.
MINHAS SENHORAS E MEUS SENHORES,
“Tirante a mulher, o resto é paisagem”.
(Dante Milano, poeta)
A dolorida história da emancipação e promoção da mulher simboliza, melhor do que qualquer outro esforço humano de ascensão política, cultural, social, econômica, a história por inteiro das lutas pela conquista dos direitos da cidadania.
Nos óbices defrontados nessas lutas heróicas estão contundentemente inseridos abjetos preconceitos, aviltantes discriminações, asfixiantes camisas-de-força, dogmas esclerosados, presentes, a todo momento, na convivência humana. Frutos malsãos do obscurantismo, do machismo castrador, da insensibilidade para se compreender o sentimento do mundo, o sentido cósmico da vida.
Não é difícil detectar, em instantes de trevas, decretadas pelo preconceito e pela discriminação, que a mulher é invariavelmente penalizada em dobro, em relação ao homem. O racismo a alveja por ser negra, por ser cigana, por ser índia, por ser judia, ou por não ser negra, nem cigana, nem índia, nem judia, e por ser mulher. Ela paga o pato, por assim dizer, por pertencer à etnia errada, em lugares ou momentos errados, na concepção do radicalismo dominante em determinado cenário, e por ser mulher. Por pertencer à religião enjeitada, nas mesmas circunstâncias de ambiente e época, e por ser mulher. Assim por diante.
Comecinho da década de 50,
uma cidade do Interior de Minas
Cena da infância, recolhida nas ladeiras da memória. Vejo desenhado ali o perfil da primeira líder feminista que provavelmente conheci. Uma moça de seus trinta anos, dona de semblante extremamente simpático e de corpo bem proporcionado. Trescalava obstinação pelos poros.
Revejo-a descendo a ladeira que dava num campo de futebol improvisado, onde a molecada tocava suas peladas movidas a bola de pano, brigas inofensivas e um que outro palavrão ingênuo, às vezes punido com chinelada. A sensação passada era de que Verlaine teria descoberto naquele gracioso desfile vespertino - um gingado coreograficamente impecável - inspiração para seus versos: “Quando ela anda, eu diria que ela dança.” (“Quand’elle marche, on dirait qu’elle dance”)
Pontualidade, um atributo todinho seu. Podia-se acertar relógio à sua passagem. Naquele justo momento as janelas se fechavam estrepitosamente, em sinal de zanga malcontida. Olhares e murmurações recriminatórios acompanhavam-lhe a trajetória graciosa por detrás das venezianas, até que escapulisse por completo no raio de visão do falso puritanismo entocaiado. Tudo compunha clima de excitante e novelesco mistério. Mistério que aguçava demais da conta a cabeça da gente. Por que as coisas corriam daquela maneira? O que a nossa heroína andava aprontando?
Prepare-se a benevolente platéia para um baita impacto. A nossa personagem, apenas e simplesmente, foi a Mulher que primeiro ousou, naquela aprazível cidade do interior, a desfazer os laços indissolúveis e sagrados do casamento, por meio de proposta de ação de desquite, com um cidadão considerado de reputação ilibada no meio comunitário, ao se ver alvejada constantemente por atos de violência doméstica e pelo comportamento adúltero do parceiro. Ousou mais – “imaginem só o descaramento!” – foi a primeira mulher a desafiar a moral e os bons costumes da sociedade, ao sair vestida de calça comprida nas ruas. E o que é “pior”: às vezes, Santo Deus, fumava em público!
Tais lembranças, até certo ponto hilárias, de simbólico surrealismo, chegam a propósito da temática que nos reúne neste amorável encontro de reflexão e confraternização.
Setembro de 2011, sede da Organização das Nações Unidas, em Nova Iorque
Pela primeira vez na historia da ONU, a Assembléia Geral das Nações Unidas é solenemente aberta com a fala de uma Mulher.
Uma brasileira, a Presidenta Dilma Rousseff, Mulher torturada no cárcere, pelo terrorismo de Estado num instante trevoso da história, reconhece, sensatamente, que o Brasil, como os demais paises, ainda precisa fazer muito mais pela valorização e afirmação da mulher, confessando-se orgulhosa de representar, naquele instante, todas as mulheres do mundo. As anônimas que passam fome, as que padecem de doenças, as que sofrem violência e são discriminadas, por exploração econômica, pelo farisaísmo encapuzado, por fanatismo religioso em diferentes latitudes geográficas e culturais do planeta.
São significativos, é bem verdade, em nosso País sobretudo depois da Constituição Cidadã de 88, os avanços conquistas constatados no desenvolvimento pessoal da Mulher. A trajetória de vida de nossas homenageadas oferece, aliás, relato auspicioso dessas conquistas. Mas existe, ainda, forçoso reconhecer, um oceano inteiro de problemas a ser navegado na busca das soluções mais compatíveis, neste capitulo da aventura humana, com a dignidade das criaturas.
De qualquer forma há que se celebrar a utilização, cada dia mais acentuada, do real potencial humano criador do antigamente e impropriamente chamado sexo frágil.
Considerada por Heidegger, autêntica “clareira do ser”, a Mulher vem assumindo gloriosamente a palavra, como propõe Elza Tamesi ao apontar o rumo a ser seguido: “Fiz um salto na vida. Deixei de ser eco e passei a ser voz!”
E, por derradeiro, como fruto de inquietação do espírito – consciente de que o espírito humano é que nem o páraquedas: só funciona aberto, como lembra Louis Pauwells -; e, por derradeiro, repito, trago aqui à reflexão, por parte dos que trabalham incansavelmente em favor da construção de um mundo melhor, mas também dos que, por ignorância ou miopia social, perseveram na pratica de atos que empobrecem e aviltam a dignidade feminina, uma singela interrogação.
Interrogação que pode parecer um tanto quanto instigante. E se, de repente, no dia do Juízo final, na hora crucial e decisiva da prestação de contas dos atos praticados em nossa peregrinação pela pátria dos homens, cara a cara com a Suprema Divindade, carregando bem nítida a imagem que do Criador de todas as coisas conservamos em razão de amadurecidas convicções religiosas pessoais, e se nessa hora precisa, a gente descobrir, embargados pela emoção, muitos até tomados de santa estupefação, que Deus é mulher?
E negra?
“Negra – evocando belíssimo poema de Langston Hughes, decorado na adolescência distante -, negra como a noite é negra.
Negra como as profundezas d’África.” Palavra de Leão!”
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